segunda-feira, 26 de novembro de 2007

(meu) S. Tome

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– “Senhor Manuel!” – Chamava Olívia, – “Senhor Manuel!” – gritava a petiza como se fosse preciso acordar toda a praia…
– “a menina nasceu!”

Professor Manuel lá estava, nas suas obrigações da manhã, calcorreando as frentes da praia, em busca dos meninos perdidos que não acompanhavam lição por ter de sair na faina, madrugada ainda.
À volta
quase sempre assim encontravam, Professor Manuel, feito pescador de caderno e lápis, feito mestre de navio fantasma de escola…
Era ele um homem jovem, que tinha aportado ali sem se saber ao certo porquê.
Talvez fugido dele mesmo, talvez fugido de não saber quem queria ser, como tinha vivido até ao dia em que a sereia ali dera à costa. Partindo daí

todo ele se fizera novo, todo ele se preparava de feição à manhã.
A sereia grávida que ninguém conhecia… e que o baptizara como nunca antes ouvira.

Esta era apenas mais uma caminhada do sol levantado como as outras todas, o professor ali andava, no seu passo largo pela areia molhada, parando aqui e ali, esclarecendo dúvida dali e mais daqui.

Mas a voz que o chamava levava grito desventuroso contido…
então o professor Manuel correu de um fôlego só e
foi já na porta de casa que alguma mancha de ensombrar sonhos percebeu.

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sábado, 17 de novembro de 2007

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O Tempo prende-nos e lança-nos em ventanias doidas, tantas vezes.
Chego e logo parto. Vou e nunca de cá saio.
Sou viciada em histórias pequeninas.
Em acasos curiosos que nunca são coisas do imprevisto.
Compomos tudo... Os dias. Todas as horas. A nós. Aos outros.

Se me fosse possível voltar atrás até onde iria?
Aos 16 anos. É certo. Aos 16 anos.
Passei toda a vida – dita adulta – a afirmar a sobriedade da minha adolescência.
A força. O empenho. A certeza. A vontade. A capacidade extraordinária da paixão.

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Tenho saudades dessa forma de Ser sobriamente Louca!

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segunda-feira, 12 de novembro de 2007

que raiva: tudo so um pouco.

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O tempo e o vazio, a ideia de nada ou o próprio nada preocupam-me desde que me lembro de ser gente.
Quando era muito miúda costumava acordar com uma dúvida maior que eu e sobre a qual nunca me atrevi a abordar nenhum adulto... costumava questionar-me onde caberia o primeiro grão se antes dele nada havia...
Ainda hoje não sei o que fazer do nada.

Ainda hoje não sei o que fazer de coisa-pouca. Do poucochinho...
Desde que me lembro de ser gente que só sei lidar com o tudo, com o muito, com o tanto, com o profundo mais fundo dos sentidos.
Do medo. Do desejo. Do querer. Do chorar. Do procurar. Do ter. De deixar.
Nunca saberei ver-me no meio do meio. Do mais-ou-menos. Do assim-assim. Fui sempre ou tudo ou nada...

e o nada aterroriza-me mas tranquiliza-me___ com o nada sei que fazer: Questiono-me!
Pergunto-me sempre e cada vez mais. Indago. Desejo saber. Espero descobrir. Desvendar a razão. Pelo menos, uma razão... se existir.

Sou agarrada a algumas coisas dos dias.
A esta coisa “maligna” a que chamamos Tempo. Por exemplo.
A roupa colorida e ando muito só de preto.

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domingo, 11 de novembro de 2007

sempre as palavras que ainda nao disse

Alguém a pedir que se abra a última porta da noite…
É o final de um livro, bem sei, mas é o começo de uma inquietação, talvez.

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Há muitas palavras por dizer.
De cada vez que me acontece sufocar ideias, desejos, medos, dúvidas,
Fico assim...
Com demasiadas palavras caladas e retidas na ponta dos dedos, como se fosse impossível dar-lhes vida e elas se sentissem no direito de me roer por dentro,
até sair.

Há qualquer coisa que não digo
Há qualquer coisa que não me é contada
Há muitas ideias em reboliço ao meu redor.
Há janelas fechadas.

Tem de haver uma porta (será a última?),
na noite,
que se abra e me deixe seguir.
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